‘Justiça até o final’, pede mãe de Moïse e manifestantes

Ato defende fim de estrutura racista da sociedade brasileira; advogado diz que prisões são ‘o mínimo’

RIO DE JANEIRO – Movimentos sociais realizaram neste sábado (5) na orla da Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio de Janeiro, um ato contra o racismo e pedindo justiça por Moïse Kabagambe, 24, congolês morto a pauladas no local.

Num carro de som em frente ao quiosque Tropicália, onde o congolês foi morto, a comerciante Lotsove Lolo Lavy Ivone, 43, mãe de Moïse, fez um curto discurso emocionada.

“Vamos pedir justiça até o final”, disse ela.

O advogado Bruno Cândido, membro do comitê jurídico do ato, explicou o que significa “justiça até o final” para os manifestantes.

“Justiça até o final está ligada a uma perspectiva mais profunda que vai além da responsabilização penal dos indivíduos que cometeram esse ato. Mas também a responsabilização social, com um processo de consciência e afirmação de direitos”, disse o advogado.

“Justiça social está ligada a um processo igualitário de ascensão econômica e distribuição de direitos. É romper a lógica da desigualdade como parte fundante da nossa sociedade.”

Para ele, a prisão dos três suspeitos do crime “é o mínimo”.

Lideranças do ato lembraram também as mortes de outros homens negros, como Durval Teófilo Filho, 38, alvo de três tiros do vizinho quando chegava em casa, e o músico Evaldo Rosa, após mais de 80 tiros disparados por militares do Exército.
Também estava presente ao ato Bruna da Silva, mãe do estudante negro Marcus Vinicius, 14, morto em 2018 a caminho da escola no Complexo da Maré durante uma operação policial na região. Ela levava o uniforme ainda com manchas de sangue do menino, símbolo que passou a carregar em manifestações.

Em discursos, manifestantes pediram no carro de som que os quiosques fossem transformados num local de referência da cultura africana. Projeto semelhante foi anunciado neste sábado pela prefeitura.

“Pode ser uma indenização extrajudicial para a família, embora um quiosque talvez não seja suficiente. Mas precisamos pensar também numa dinâmica de grupo. Não é suficiente, por exemplo, se o município não se comprometer a não armar a Guarda Municipal. É disso que estamos falando”, declarou o advogado.

De acordo com o comando do policiamento local, cerca de mil pessoas estavam presentes ao ato às 10h30. Os manifestantes fecharam as duas pistas da avenida Lucio Costa, na altura do quiosque local do crime. Havia bandeiras de centrais sindicais, movimentos sociais e partidos políticos.

Um grupo demonstrou intenção de destruir o quiosque Tropicália. A iniciativa foi interrompida após a mãe de Moïse pedir calma. Apenas o letreiro do estabelecimento foi retirado e quebrado.

Moïse foi morto na noite do dia 24 de janeiro a pauladas por três homens que também trabalhavam em estabelecimentos da orla da Barra.

Aleson Fonseca, 27, Brendon da Silva, 21, e Fábio Pirineus da Silva, 41, foram presos temporariamente por 30 dias na terça-feira (1º).

As imagens do quiosque Tropicália mostram Moïse discutindo com um funcionário do local. O congolês, em determinado momento, abre um freezer, o que aumenta a confusão.

De acordo com esse funcionário, Moïse estava bêbado e queria pegar cerveja de graça, o que originou a discussão entre os dois. A mesma versão foi dada por Aleson Fonseca, um dos suspeitos do crime.

Os três suspeitos trabalham em quiosques e barracas da praia da Barra da Tijuca. Eles afirmaram que foram proteger o funcionário do Tropicália e iniciaram as agressões.

Familiares do congolês disseram à imprensa que ele foi cobrar uma dívida no quiosque. Contudo, esse tema não é mencionado em nenhum depoimento dado à polícia, nem mesmo nas falas dos parentes da vítima.

A polícia ainda investiga para esclarecer a motivação do crime. Não há indícios, até o momento, de um mandante do homicídio.

Brendon afirmou na polícia que “apenas segurou Moïse, sem tê-lo estrangulado”. “Portanto, tem a consciência tranquila”, afirmou ele, segundo o termo de depoimento do inquérito.

Aleson afirmou aos agentes que “resolveu extravasar a raiva que estava sentindo” de Moïse ao iniciar as agressões contra o congolês e desferir as pauladas contra as suas costas.

Ele disse também que procurou a Defensoria Pública no dia seguinte ao crime, antes da repercussão do caso, para se apresentar à polícia. O suspeito alegou ter sido orientado a retornar para casa porque não havia “nada em seu desfavor”.

O órgão declarou que nenhum defensor foi procurado por Aleson e “não têm conhecimento de que ele tenha sido atendido por qualquer servidor”.

Fábio disse na delegacia que se arrepende de ter batido em Moïse.

Folha não localizou seus advogados para comentar o caso.

Fonte: folha.uol.com.br

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